Falar de reis, hoje em dia, parece estar fora de moda, a não ser aqueles que corem atrás de revistas cor de rosa ou de escândalos por parte daqueles que têm que medir cada passo ou palavra.
Hoje o mundo celebra o REI, Cristo Rei e Senhor do Universo.É um facto que, para muitos, isto não passa de mais uma devoçãozinha católica. Mais ainda parece ganhar forma esta expressão se tivermos em conta que muitos dos que olham as celebrações estão baptizados em nome deste Rei e Senhor. Ungido em Seu Nome, a maior parte não pôde escolher, é um facto, viram agora o dedo e o escárnio para os que procuram levar a sua fé com valores, sentindo a presença forte de Deus em Cristo que Reina pela acção do Espírito.
Como entender este reinado? Não deveria ele ter acabado naquela tarde e naquele monte calvário? Não morrera ali Aquele a quem chamavam Rei?
A promessa de Deus não pode ficar esquecida do coração humano: “Tu apascentarás o meu povo de Israel, tu serás rei de Israel”.
Todos os anciãos (…) “ungiram David como rei de Israel.” (2 Sam 5,1-3)
Este texto é o início do cumprimento da promessa Divina. O Messias Rei não podia vir até nós sem uma história e, na linguagem bíblica, uma história humana. Como aceitar, ao tempo, alguém que reine e governe se não estiver já inserido numa linha de realeza? Então é preciso ungir um rei, um simples pastor que é escolhido por Deus para apascentar o Seu Povo e levar pelos tempos a herança do Messias que virá a ser chamado “Filho de David”.
Samuel marca aqui um ponto crucial na história da Salvação. Deus faz caminho com o Seu Povo e aponta para a escatologia final onde outro Rei será coroado.
Lucas (Lc 23,35-43), coloca-nos diante de um trono, um Rei e um reinado. A Cruz sustenta o Rei prometido. Parece que qualquer reinado terminaria ali no gozo e chacota de quantos interrogam este Rei que se deixa morrer de forma tão vergonhosa como um condenado, um malfeitor. Por cima d’Ele, diz Lucas, um letreiro dizia: «Este é o Rei dos judeus».
Esta frase, parece ter ferido a mente farisaica dos espectadores ali presentes. A Verdade da realeza de Cristo incomoda muitas vezes. Ele era Rei e não queriam admitir ter condenado um Rei.
O gozo vai ao ponto de um dos condenados afirmar: “Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também”.
À dureza de tal rancor – sim, eu sinto nestas palavras rancor e uma espécie de olhar que aponta e condena – vem a resposta de um par, alguém merecedor do juízo, da condenação e talvez da morte: “Ele nada praticou de condenável”.
E acrescentou: “Jesus, lembra-Te de Mim, quando vieres com a tua realeza”. Dois olhares centrados num coroado de espinhos, um Rei que padece no patíbulo. Um de rancor, ódio e não aceitação de uma vida pouco digna. Outro que repreende com justiça, com coerência de vida – mesmo que no fim da vida – e que simplesmente manifesta uma atitude de fé de de esperança no Reino de Cristo. Curiosamente Cristo não dirige a palavra ao “mau ladrão” mas ao que o olha com arrependimento simplesmente responde: “Hoje estarás comigo no Paraíso”.
Como os Judeus poderíamos nós perguntar com que autoridade diz Ele tais coisas. Era um homem condenado, ia morrer naquela Cruz, como poderia falar de Vida nova. Como poderia Ele dizer que naquele mesmo dia o homem arrependido entraria no paraíso? Isto é visto como um escândalo, a salvação prometida não tinha ainda – aos olhos daquela gente – encontrado a hora. Só lá no fim dos tempos se daria a vida nova, não naquele dia de trevas e choro. Quem é este Rei coroado de espinhos que se arroga ao direito de dizer palavras que só a Deus se podiam consentir?
E temos a resposta de Paulo na Carta aos Colossenses (Col 1,12-20)
Deus acolhe-nos no Seu coração misericordioso, torna-nos “dignos de tomar parte
na herança dos santos” apontando já a meta da nossa vida rumo a uma inserção “para o reino do seu Filho muito amado”. ,
Então afinal Cristo é Rei. Tem um reino que lhe é dado pelo Pai, reino que Ele construirá pela redenção da humanidade inteira. Este reino não é uma realidade visível, é algo de tão grande densidade espiritual que não poderemos nunca abarcar a sua imensidão enquanto peregrinos nesta terra. Aqui fazemos caminho na esperança de chegar ao reino novo, na escatologia que acontece no encontro com Deus e que se perpetua após a morte em Cristo. Ele, no dizer de Paulo, “é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura; (…) n’Ele foram criadas todas as coisas (…) Ele é anterior a todas (…), n’Ele tudo subsiste. Ele é a cabeça da Igreja (…), é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos; em tudo Ele tem o primeiro lugar.”
É desta forma que Paulo nos remete para a grandeza da realeza de Cristo. Não é um rei qualquer, Ele é o Rei, mais que isso, é o Senhor da história, o Senhor do universo, Aquele que existiu desde sempre e sempre existirá. Em Cristo existe a plenitude da graça do Pai, a reconciliação definitiva da criação inteira com o Criador. Este texto de Paulo obriga-nos a reler o episodio da Cruz. Afinal teria ou não Jesus razão para dar sentido à fé e esperança daquele ladrão que lhe pede um lugar no Reino? Que sentido faz a afirmação do “hoje estarás comigo…”?
Paulo diz que só em Cristo são reconciliadas todas as coisas. Uma reconciliação que restabelece a paz e a união dos que andavam perdidos, dos que se tinham afastado do amor do Pai Criador: “pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus.”
Hoje olhamos para este Rei e Senhor… fez sentido sim aquela Cruz, aquela entrega, aquele momento de morte que leva à vida em Deus.
Que Cristo Reine em cada um de nós e que o olhemos como o Senhor…