Poderia esta minha reflexão de fim de dia ter o mesmo título daquela que fiz no dia 5 de Novembro de 2006: “Pedaços de uma tarde…”.E esta tarde de hoje teria muitos pedaços de vida para reflectir aqui convosco: Perdão e Unção, Amizade… sofrimento acompanhado de uma lágrima, tristeza no olhar causado por injustiças mas também sorriso pacificador na entrega de uma flor de gratidão por gestos, que sendo tão simples, se tornam tão grandes e nobres a quem os realiza… Seriam tantos os pedaços desta tarde. Mas… vou ficar por dois – por agora apenas dois - o Perdão e a Unção.
O dia 11 de Fevereiro, dia de Nossa Senhora de Lourdes, é o DIA MUNDIAL DO DOENTE. A Igreja procura associar-se a este facto dedicando este dia de forma especial aos irmãos doentes e idosos. Na impossibilidade de poderem estar persentes ao longo do ano, nas celebrações – sobretudo na Eucaristia – há um dia que de forma especial os recordamos e, se possível, os trazemos à Casa comum da Ecclesia, o Templo que a todos no une como espaço de encontro e comunhão.
O sol estava lindo nesta tarde, apetecia ir ver o mar que tanto gosto e onde tantas vezes O encontro a Ele na paz e sussurro das ondas mas… Ele estava nesta tarde nos irmãos doentes e idosos de uma Comunidade onde vivi os meus primeiros cinco anos de Pastor.
E fomos alguns colegas ao encontro dos diversos rostos de Cristo que procuravam o perdão e a unção da Vida.
Esta é uma das mais dignas vertentes da missão Sacerdotal. Olhar o Cristo que sofre em cada irmão que está mais debilitado no seu ser humano e no seu ser divino em Cristo, o mesmo é dizer no seu corpo e na sua alma.
Sofrer com os irmãos que sofrem é sofrer com o próprio Cristo. Paulo assim no-lo referia ao dizer que: “assim, se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros; se um membro é honrado, todos os membros participam da sua alegria. Vós sois o corpo de Cristo e cada um, pela sua parte, é um membro.” (1 Cor 12, 26-27)
Confortar os nossos irmãos na fé é tarefa de todos nós baptizados mas de forma especial daqueles que Cristo chamou a apascentar o seu rebanho, desde Pedro a quem Jesus, depois de perguntar três vezes: "Simão, filho de João, tu amas-me mais do que estes?" e obter deste a resposta: "Sim, Senhor, Tu sabes que te amo." lhe confere tão alto Ministério: "Apascenta os meus cordeiros." (Jo 21, 15 ss)
Este Ministério não é apenas o de apascentar. Cristo vai mais longe no desafio lançado a Simão: “Eu roguei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos.” (Lc 22, 32). A graça da oração, que fortalece a Fé, e da conversão tranformam-se em força de Deus, conferida aos seus Ministros para que estes sejam a fortaleza dos mais fragilizados. Mas o desafio que conduz a tão alto grau dado à Igreja ganha um sentido de unidade eclesial no poder de perdoar e santificar: “Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.” (Mt 16, 18-19)
Pedro reconhecera que Cristo é o Senhor, o Messias porque em Pedro o Espírito Santo já era uma realidade actuante e tranformadora. O mesmo Mateus no-lo diz. Foi o Espírito e não a carne que revelou tão grande mistério a Pedro. Ele é aquele que apascenta o rebanho, que o fortalece e que tem agora poder para ligar e desligar em nome de Deus.
A unidade atrás referida vemo-la um pouco mais à frente no mesmo Evangelho de Mateus. No Capítulo 16 o poder é dado em primeiro lugar a Pedro, a cabeça da Igreja, contudo este poder não é exclusividade desta cabeça mas de toda a Igreja unida a si: “Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na Terra será desligado no Céu.” (Mt 18, 18)
O Primado de Pedro é continuado na acção de toda a Igreja: apascentar, fortalecer e perdoar.
Estes três verbos sintetizam – para mim – toda a acção eficaz da Graça Sacramental. Os sacramentos realizam esta mesma acção, por nosso intermédio, e sob a força do Espírito Santo. É Ele quem actua em nós e por nós junto dos irmãos.
Esta tarde o PERDÃO foi mais uma vez sinal de caminho para mim. Mais do que ouvir a consciência e o pedido de perdão a Deus, foi mister acolher a graça da fé neste mistério de poder perdoar em nome de Deus pela Igreja que somos.
Como eu gosto de, impondo as mãos aos irmãos, rezar – habitualmente de olhos fechados para me escutar a mim mesmo – a belíssima e rica oração da absolvição: “Deus Pai de misericórdia, que pela morte e ressurreição de Seu Filho reconciliou o mundo consigo, e enviou o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda pelo Ministério da Igreja o perdão e a paz.
Eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.”
Desligar na terra o mal causado nos corações dos fiéis pelo pecado e ligar no céu e nesses corações a graça santificadora e santificante do Perdão.
Mas porque de uma Celebração para os irmãos doentes e idosos se tratava, esta absolvição tem outra graça maior ainda, a da Unção com o Óleo santo dos enfermos.
Muita gente tem medo deste sacramento, ao longo de muitos séculos se viu a Unção como uma espácie de carimbo para “despachar” alguém para a eterna morada de Deus. “Extrema unção”, “Santa unção” se lhe chamou durante muito tempo. E nomes estes que pareciam remeter uma graça santificadora para algo muito negativo e redutor da presença do Espírito Santo em nós. Mas não é, de todo, uma espécie de coisa que nos deva assustar ou nos remeta para a morte. A Unção dos Enfermos, assim se denomina no nosso tempo, é muito mais que despedir alguém que está a partir para o Pai. Tiago no-la apresenta desta forma: “Está alguém, entre vós, aflito? Recorra à oração. Está alguém contente? Cante salmos. Algum de vós está doente? Chame os presbíteros (padres) da Igreja e que estes orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. Confessai, pois, os pecados uns aos outros e orai uns pelos outros para serdes curados. A oração fervorosa do justo tem muito poder." (Tg 5, 13-16)
Tiago dá-nos este testemunho riquissimo a todos os níveis. Oração de súplica e de acção de graças, de perdão e de cura, de imposição das mãos e unção com o Óleo. Não é uma coisa qualquer mas uma coisa Santa e santificadora, realizada por aqueles a quem o Senhor designa na Sua misericórdia ou a quem estes designarem de acordo com as normas da Ecclesia.
E o PERDÃO enriquece-se com tantos irmãos doentes que, após receberem a imposição das mãos, agora se aproximam estendendo as suas mãos para que estas sejam ungidas como sinal de fortaleza e de saúde, de paz e da graça de Deus: “Por esta Santa Unção e pela Sua infinita misericórdia, O senhor venha em teu auxílio com a Graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus pecados, Ele te salve, e, na Sua bondade, alivie os teus sofrimentos.”
Se reflectirmos bem nestes textos tenho certeza que não teremos medo de nos abeirarmos dos Sacramentos, sinais sensíveis e eficazes da Graça, que Cristo nos deixou para nossa santificação e salvação.
Esta Unção Sacramental existe para alívio espiritual e também físico dos enfermos em perigo de morte, dos que estão em tempo de intervenção cirúrgica e dos irmãos mais idosos que a pedirem. É um Sacramento que nos conforta com os seus efeitos na medida em que aumenta em nós a graça santificante; apaga os pecado que o enfermo arrependido já não possa confessar (no leito da morte); tira de nós a fraqueza e languidez para o bem, que ainda fica depois de se ter alcançado o perdão dos pecados; dá-nos as forças necessárias para suportar pacientemente o mal, resistir às tentações e morrer santamente; e ajuda-nos a recuperar a saúde do corpo, se isso for útil à salvação da alma.
A Igreja aconselha que tal Unção dos enfermos, dadas as características nas quais habitualmente é pedida, seja ministrada com todo o cuidado e diligência aos fiéis que, por doença ou idade avançada, estão em grave perigo de vida. Para tal não se esquece, a mesma Igreja, de recomendar aos familiares e a todos os que assistem aos enfermos que têm a obrigação de procurar que estes recebam a Santa Unção, se possível antes de perderem o uso da razão e o conhecimento.
Continuaria aqui a escrever e muito poderia dizer desta experiência enriquecedora de levar aos outros a paz do coração, pelo perdão das suas faltas, e a graça da saúde física – se a Deus aprouver para salvação de quem a recebe – pela Unção das mãos.
Oração, Imposição das mãos, absolvição e unção…
Quase me apetece cantar o tão velhinho refrão do cântico: “Eis o caminho, eis o caminho, eis o caminho da Salvação…”.
Espero que este longo texto não seja maçudo mas ajude a continuar este caminho quaresmal no sentido de um novo olhar para Cristo através dos Sacramentos, como o olhar pacificado de tantos irmãos doentes e idosos com quem hoje tive a graça de celebrar a Fé, o Perdão e a Unção de Deus.
E foram pedaços de uma tarde…



9 comentários:
Frei amigo é na presença da morte que a vida ganha todo o seu sentido, pode parecer estranho, mas é a verdade.
As minhas crianças disseram-me que acreditavam no Amor de Jesus por elas pois Ele lhes perdoava e continuava a gostar delas...
Por outro lado, hoje pela primeira vez vi o sofrimento estampado no rosto de uma das minhas doentes a quem dei a Comunhão, chamando por ELE para que lhe aliviasse o sofrimento...senti tanta dor e pensei que outra ajuda eu lhe poderia prestar e acabo de encontrar aqui uma. O texto é muito rico e quando se lê por gosto...não cansa.
Cada vez mais gosto de " RETALHOS" e de vir sempre aqui.
Bem haja, por ser como é, Amigo...
Seja por Caridade
Maresia.
Como sempre antes de deitar, e fazer a minha oração de Consagração à Mãe, venho ao blog. É como aquele ritual do principezinho e da raposa.
Grato vejo já o seu comentário.
Rezo consigo por todos os doentes a quem a Igreja lhe confia o Ministério de O levar no Pão repartido.
Rezo pelas crianças pelas quais tem a missão de ajudar a crescer para serem os homens e mulheres do amanhã, sobretudo por essas que tantas vezes deixam de ter o sorriso e o olhar puro de quem ama a vida.
Se este texto for capaz de dar algum sentido à nossa fragilidade, que Deus actue através de todos os que por aqui deixarem repousar o seu olhar e tempo...
Rezo...
Novamente digo “obrigada“ pela catequese-reflexão-partilha dos “pedaços” da sua tarde de ontem.
Como deve ser bom na missão sacerdotal ser instrumento do perdão e da paz de Deus!
E como para nós, leigos, é bom na imposição das maos do sacerdote e ouvindo as palavras da absolvição experienciar a força de Deus, o Seu perdão e a paz no coração.
É com esta atitude de gratidão que rezo diariamente pelos sacerdotes – e por si em especial – para que Deus Se possa fazer presente nos gestos tão significativos como o são os Sacramentos.
Partilha muito bonita de uma tarde de domingo que como o Frei diz puderia ser a contemplar o mar de que tanto gosta.
Mas foi mais bela pois a dedicou a ir ao encontro dos doentes e idosos que tanto necessitam de conforto, e o Frei, levou-lhes Amor, Paz e o Perdão.
Que o Senhor o abençõe a si, e a todos os que trabalham em prol dos mais desfavorecidos.
Biza
Convivendo com enfermos durante mais de três décadas como Enfermeira, pude observar que tanto a doença como a senectude, são ocasião privilegiada para um contato imediato, vertical, intransferível, da criatura com o Criador.A solidão do enfermo, em fase terminal ou mesmo de passagem relãmpago por um leito hospitalar, e também a solidão do idoso , acredito, deva ser ao mesmo tempo algo de sofrimento profundo , experiência real de dependência e carência humana.Ninguém faz "curso para ser doente" , de modo que , aprende-se a ser doente, sendo doente.É muito doloroso presenciar o sofrimento de crianças, mas, felizmente as pessoas são solidárias não só individualmente ao cuidado à infância como socialmente através de projetos assistenciais eficazes.Já o idoso, não oferece a mesma resposta de investimento, de modo que é olvidado.Ser idoso e doente é correr risco de abandono! Muitas vezes a própria família pretere aquele há pouco tempo lhe foi o esteio.De modo que se torna um ciclo vicioso o estado de saúde do enfermo :já não se define se ficou idoso porque é doente, ou se é doente porque idoso...tenha o ser humano a idade que contar!
Portanto, não é a dor física isolada e tão somente a causa do sofrimento do enfermo .O conjunto de situações de vida que caracteriza aquele ser humano diante de si mesmo e da comunidade a que pertence é que carece atendimento.A assistência espiritual dada neste caso deve corroborar para a leitura espiritual desse quadro individual .Será tanto mais eficaz quanto melhor promover a relação " Criador - criatura", que por ser de foro pessoal implica em existência de Fé.
Concluo que , a meu ver, a estada num hospital, a presença da doença e a condição de ser idosos, são oportunidades concedidas por Deus ao homem ( seres humanos) para que possamos nos preparar para melhor nos apresentar diante Dele.Pelo menos foi com esta visão que olhei cada doente que passou por minhas mãos.
Deus lhe pague, Frei Albertino, pela visita aos enfermos e o bem que ali proporcionou.
AMIGO
obrigada pela tarde deste dia e pela nossa pequenina conversa antes de saires. Desde pequena que gosto de ouvir a tua voz e, ja um pouco mais crescida, conversar contigo, mesmo sendo tão raras as vezes.
Obrigada por seres...
Como não podia deixar de ser, cumpri mais uma vez o ritual. Há dias em que o não consigo cumprir. Hoje, cumpri-o e sinto-me recompensado por isso. O ritual é a visita à net e, obrigatoriamente aos RETALHOS. Acabo por me sentir uma pequenina franja desses retalhos, precisando sempre do complemento das restantes franjas para fazermos o manto único da amizade e partilha. Li referência aos doentes e à Mãe de Lurdes. O mesmo que eu li e vivi, pessoalmente e com os muitos irmãos que rezaram hoje nesta igreja, pequenino santuário de Santo António. Uma dôr pela qual todos rezámos foi a dos timorenses (alguns deles rezam aqui connosco) pela crueldade contra o Presidente Ramos Horta e pelo que isso significa no sofrimento já tão longo deste povo nascente. As vozes diplomáticas não conseguiram dizer tudo quanto continua a envergonhar o mundo dos homens que se tornam doentiamente violentos.
Sinto que a maior chaga dos nossos dias é a violência em todos os campos. E creio que a maior não aparece a público, tal a vergonha que a encobre...
Fiquei edificado com alguém que hoje levantou a voz, mais uma vez, contra a horrível violência do aborto, atingindo a vida da criança, da mãe e da humanidade. Como se pode consentir num triunfo estratégicamente político, que publica para todo o mundo as estatísticas das carnificinas do aborto como uma vitória, comparando os anos passados com os de hoje? Afinal, somos pessoas ou animais carnívoros? Sinto que, grande ou pequenino, em cada inocente assassinado, Deus morre: "o que fizerdes ao mais pequenino dos Meus, a Mim o fazeis". Foi o Evangelho de hoje.
Peço perdão desta partilha, que mexe muito com o lado sentimental. Mas não só!
Abraço fraterno. Paz e Bem!
Frei Armindo
Meu irmão, paz e bem!
Dei conta de chegar esta partilha e eis-me aqui a acolher com toda a fraternidade que me é possível...
É um dom saber que vens, que te sentes franja destes retalhos. Que bom que Deus é ao conceder a todos nós tantas franjas...
Os pontos que referes são pontos de oração para todos nós. Neste mundo que é o nosso a VIDA parece não ter valor. Como é isto possível. Em Timor continuam a existir mentes que não sabem respeitar a Democracia e destroem a Vida... o povo irmãos do "Sol nascente" precisa da nossa comunhão e oração.
Não publiquei nada sobre este aniversário ediondo mas, na minha oração e reflexão contemplo a Mãe, a Senhora de Lourdes, e rezo por todos os que não nasceram, pelos que nasceram sem condições, pelas mães que sofrem por não ter dado à luz e pelas que sofrem por não lhes ser dadas condições dignas de criar os seus filhos.
Em um ano de despenalização, diziam as notícias, registados em média cerca de 33 abortos por dia...
Que Deus, na Sua misericórdia nos conceda a paz e tranquilidade de consciência...
Obrigado meu irmão pela partilha e amizade.
Frei Amigo:
Mais uma vez OBRIGADA pela sua partilha que serve de catequese e reflexão para nós sobre este sacramento.
Vi ontem a publicação, mas não tive tempo de a lêr com a atenção devida.
Em primeiro lugar OBRIGADA por ter vindo à minha paróquia...(nossa)aqui foi o berço do seu sacerdócio...realizar tão nobre "Gesto", em favor dos mais necessitados, doentes e idosos.
Eu que visito muitos deles todos os domingos, senti em cada um a alegria e o brilho no olhar. "Todos queriam aquele padre que não vinha cá há tanto tempo"...! Foi de si que ELE se serviu... do seu coração, das suas palavras, do seu sorriso, para pacificar tantos/as que ao longo da sua vida não têm a ternura de ninguém.
O perdão dos pecados e a unção dos enfermos ocuparam um lugar de relevo no ministério de Jesus, missão confiada à Igreja. Foi a sua generosidade, o seu Sim, que o Pai quis ouvir.
Também sei que para si foi reconfortante... uma mistura de tantas emoções...!
E porque o dia do doente coincide com o dia de N. Sra. de Lourdes, viremos para Ela o nosso olhar, e que apesar das tragédias, ódios, desgraças e doenças da humanidade, Deus contunua a realizar o seu plano salvador através de nós.
A Beleza espiritual de Maria deve atrair-nos para Ela, a Ela dirigir a nossa oração e suplicar a sua intercessão para nós e para o mundo.
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