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25 fevereiro 2008

A vida e a Irmã Morte

A noite cai e mais um dia de trabalho pede agora o descanso.
Na TVI, canal televisivo nascido há 15 anos do seio da Igreja, mas que já não tem vínculo algum à mesma, assisto a um bom documentário sobre os problemas da Geriatria.
É impressionante vermos como os nossos idosos, homens e mulheres que trabalharam a vida inteira pelo seu país e família, chegam ao fim da vida sem condições dignas para seres humanos. Não se trata somente de uma habitação com dignidade e adaptada às necessidades de quem tem problemas de locomoção, como aquele idoso a quem amputaram um pé e que, sempre que se desloca ao Hospital de S. José, tem que pagar 130 euros, com uma reforma que é mínima, como a da maior parte dos nossos concidadãos portugueses.
Trabalhar a vida inteira para chegar ao fim do seu tempo e não ter os apoios da sociedade, do Estado e, tantas vezes da família, como aquela outra idosa que passou anos fechada no seu quarto com medo da filha e do genro, a quem os vizinhos traziam comida e lha entregavam pela janela, e que dizia algo como “tenho medo mas nunca denunciei os maus tratos porque afinal ela é minha filha, carreguei-a nove meses na barriga”. Tempo esse em que “carregar na barriga” ainda era um acto de amor que nada poderia abalar, nem mesmo as maiores dificuldades que isso pudesse trazer à existência.
Mais uma vez se vê o importante papel da Igreja Católica, através das mais de 70% das IPSS do nosso país pelas quais são responsáveis muitas Instituições religiosas. Quantas pessoas no apoio domiciliário tentando colmatar a tristeza de quem não tem força nem saúde, não tem alegria nem esperança, não tem uma mão e um olhar amigo…
E penso nos lares de Terceira idade onde tantos dizem estar apenas para esperar a morte, e tantos – como não pensar – que em suas casas se sentem tão sós e com medo do ladrão que pode vir a qualquer momento.
Vida e morte combatem lado-a-lado levando os mais debilitados da nossa sociedade a deixar de ter alegria de viver porque a fome, o frio, a doença, o abandono e os maus-tratos parecem espreitar em cada amanhecer. E os sentidos deixam de estar preparados para poder ver e ouvir, saborear e dizer, mover e mover-se…
Envelhecer é lindo quando alguém é o apoio muito amigo.
E hoje esta reportagem reforça o que durante a tarde tenho vindo a rezar no meu silêncio. Quão felizes somos os que temos alguém que cuida de nós. Neste nós coloco hoje de uma forma muito especial os Irmãos que o Senhor me deu, os meus Confrades que na Enfermaria Provincial têm quem se preocupe com todas as condições necessárias ao provimento da saúde e da vinda da Irmã morte (assim chamada por Francisco de Assis). Neste aspecto muito temos a agradecer ao irmão que há algumas décadas se dedica aos irmãos doentes.
Hoje mesmo pude testemunhar mais uma vez a ternura e carinho dedicado aos idosos e enfermos da nossa Província.
Com o Fr. Cardoso e o Fr. Teixeira fui testemunha do momento em que um nosso confrade, Sacerdote de 77 anos (há alguns dias em estado crítico), abraçou a Irmã morte e nos deixou para ir ao encontro do Pai.
Fr. Fernando Chaves respirava, não com aflição, mas com uma serenidade – a meu ver – de quem, mais que procurar o fio da Vida, procurava saborear o último alento do sopro que Deus nos concede. Junto dele três irmãos o acompanhavam no silêncio da oração, nas mãos pousadas sobre a sua fronte, no sinal da Cruz traçado três vezes sobre a testa, no aconchego da manta…
Num respirar mais profundo, momento em que a mão de um Sacerdote está sobre a sua testa e a de outro sobre o seu peito
(a minha), abraça suavemente a Irmã morte corporal. É separada a Alma do corpo. O espírito que deu vida a um corpo durante 77 anos volta de novo ao lugar de onde saíra, Deus e Senhor da Vida.
Partir assim para a eternidade é DOM… se sentiu ali presente ou não, naquela hora, os irmãos com todo o carinho não sei. Mas sei que para quem fica e pôde testemunhar é uma reflexão profunda sobre o Dom da Vida e da entrega aos irmãos. Anos a fio um irmão, nesta Província, abdica dos seus sonhos, desejos e realizações, do seu tempo para estar ao lado da cama de cada doente, dedicar todo o carinho e conhecimento da saúde e cuidados paliativos, para dignificar a vida dos demais que o Senhor lhe deu, respodedo assim de forma muito especial ao que Francisco pede na Regra: “Se algum dos irmãos cair enfermo, seja onde for, os outros irmãos não se vão sem deixarem com ele um irmão, ou mais, se for necessário, para o servirem como desejariam ser servidos…” (1 R 10, 1).
Nem sempre, porque não o reconhecer, somos capazes de entender tal dedicação porque pensamos que é um dever de quem está ao serviço. Quantas vezes eu digo que “quando não tivermos Fr. Cardoso talvez não tenhamos o carinho de um irmão enfermeiro”. De um técnico de saúde acredito que teremos mas não de um irmão, com tudo o que implica a dedicação de quem se entrega a fazer o que a maior parte de nós não seria capaz. Quero dizer ao irmão enfermeiro e grande Amigo um OBRIGADO público pelo testemunho que é e dá a cada um de nós. Perdoem-me fazê-lo, poderá até ser mal interpretado mas tenho que o fazer. OBRIGADO IRMÃO!
(podeis visitar os seus testemunhos em http://jjcardoso.blogspot.com)
O P. Chaves partiu e a ele se aplica a estrofe do Cântico das Criaturas do Poverello de Assis ao dizer: “Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam por teu amor e suportam enfermidades e tribulações. Bem-aventurados aqueles que as suportam em paz, pois por ti, Altíssimo, serão coroados”.
Ao longo da vida este irmão foi sinal de perdão e misericórdia de Deus no seu múnus Sacerdotal. Suportou na paz tudo o que de Deus lhe era pedido e por isso é já um glorificado no céu. É ali, junto de todos os que estão na Glória do Pai que ele canta com Francisco de Assis: “Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal, à qual nenhum homem vivente pode escapar. (…) Bem-aventurados aqueles que cumpriram tua santíssima vontade, porque a segunda morte não lhes fará mal” (CC).
Com o pensamento na morte deste irmão volto ao início desta partilha. A vida dos idosos, fragilizados da nossa sociedade, de quem fazia reflexão a reportagem televisiva. Que mundo este onde o Estado em vez de criar condições e meios hospitalares para todos fecha urgências e maternidades. Que sociedade é esta onde se trabalha uma vida inteira, se desconta para a Segurança Social, se paga impostos para depois terminar os seus dias numa cama sem apoio das entidades competentes.
Louvor à Igreja e suas Instituições, sim esta que cometeu e talvez cometa ainda hoje muitos erros, pela ajuda que presta aos mais debilitados tentando suavizar a dor e dar sentido à existência humana e dando cumprimento ao mandato de Cristo: “o que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos é a Mim que o fazeis” (Mt. 25).
Que todos nos sintamos responsáveis por construir à nossa volta um mundo mais humano a fraterno, um mundo onde ninguém tenha um fim solitário e pouco digno.
Termino com o final do chamado Testamento de S. Francisco: “E todo aquele que estas coisas observar, no céu seja cheio da bênção do Altíssimo Pai celeste e na terra seja cheio da bênção do seu Amado Filho, do Espírito Consolador, de todas as Virtudes do céu e de todos os Santos. E eu, o irmão Francisco, pequenino servo vosso, quanto posso vos confirmo dentro e fora esta santíssima bênção. Ámen.” (T 40-41)

7 comentários:

Anónimo disse...

Fiquei profundamente tocada ao ler este texto...
E, na minha memória, vieram ao de cima duas recordações:
A primeira: o trabalho que pude prestar durante alguns anos num Centro Social de uma paróquia de Lisboa, precisamente na área da Terceira Idade. Diante do meu olhar interior surgiram rostos, pessoas, histórias, vidas… Dou graças ao Senhor pelo bem que pude fazer a tanta gente… E peço perdão pelo muito que talvez não tenha sido capaz…Agradeço, do fundo do coração, pelas experiências colhidas naqueles anos. Ajudaram-me e ajudam-me até hoje a compreender e valorizar melhor o envelhecer (inclusive o meu próprio…) e a própria dignidade da pessoa em qualquer idade.
A segunda: há muitos anos tive a graça de assistir a morte de uma coirmã, estar presente quando ela deu a última respiração, sentir ali Deus presente, Senhor da Vida. Também ela – como o Frei descrevia – teve o privilégio de não morrer abandonada em algum hospital, mas partir para Deus rodeada das Irmãs a quem ela serviu uma vida inteira e a quem deu um belíssimo testemunho de entrega à vontade do Pai nos últimos meses da sua doença. Lembro-me, como se fosse hoje, do que pensei naquele tempo: quem me dera algum dia morrer assim – em paz, serena, no meio das Irmãs com quem partilhei a mesma forma de vida, a mesma Consagração...
Como não sabemos quando a «irmã morte» irá bater à nossa porta, há que estar preparado, a qualquer momento, para ir com serenidade e paz ao encontro do Pai. Que Ele nos ajude – e para isso serve também o tempo da Quaresma – a vivermos sempre com o olhar no horizonte da esperança da manhã da Ressurreição.

Anónimo disse...

Amigo Frei, ontem o cansaço venceu-me...e agora estou na hora do almoço e por isso só de relance vi o bonito texto que aqui colocou, sobre a irmã morte. Mais logo ao fim do dia, vou voltar pois agora o tempo não dá para mais.
Que Deus o Abençoe.Obrigada.

Anónimo disse...

Frei, agradeço muito o comentário que escreveste hoje. Primeiro, recordando alguns ensinamentos de Francisco de Assis sobre a irmã Morte, que é bom sempre ter presente. Depois, o testemunho sobre os irmãos: um que parte tranquilamente para a casa do Pai - que o Senhor lhe dê a Paz - e o outro, pelo testemunho que dá no acompanhamento aos doentes, sobretudo através do cuidado, do carinho e da presença sempre atenta. Que o Senhor o conserve no meio de seus confrades e amigos por longos anos. Míriam

Anónimo disse...

Amigo, agora pude ler o texto com a atenção que ele merece. Obrigada pela reflexão a que ele nos conduz. Deus conduziu-me a trabalhar com os mais pequeninos, mas sempre os estimulei a amarem muito os seus avós, a retribuirem-lhe o mesmo carinho, paciência e dedicação, com pequenos presentes saídos das suas pequenas mãos; e com que alegria o fazem. Espero deste modo contribuir para que os "netos sejam as flores no coração dos avós". Foi este o mote de uma das festas que realizamos num almoço festivo para eles e que os encheu de alegria, pois no final, as duas geraçôes se juntaram de mãos dadas, cantando canções de roda, transmitindo assim uma cultura que se vai perdendo.
AMIGO, Bem Haja pelo enriquecimento que dá a "RETALHOS" e deste modo a todos nós. Rezo.
Seja por Caridade

José de Jesus Cardoso disse...

Meu irmão.

Agradeço a generosidade fraterna que nesta reflexão fazes à minha pessoa.
Procuro servir os meus irmãos numa vida simples e modesta.
Não depender de mim mesmo é um grande bem, pois devo contentar-me com aquilo que Deus me dá.
O tratar os irmãos doentes é para mim gesto simples que me dá muito alento e enriquecimento para a minha vida na fé.
Quero estar onde está o sofrimento. Cuidar dos doentes torna-me mais corajoso e as tarefas ajudam a minha vida interior. Por isso as tuas palavras vieram encorajar-me e ajudar a saborear o bem que ainda posso fazer.
O Religioso não deve temer a morte, a vida também não deve ser fardo para ninguém. Portanto, os irmãos doentes são o encanto que me apraz registar.
Agora ser feliz é de alguma forma aprender a morrer já que, como diz S. Francisco, à morte corporal não podemos escapar. Morrer parece ser cair no vazio da própria existência ou deixar que o mundo impressa de avançar. Para quem tem fé, morrer é deixar-se entregar no abraço do Pai para testemunhar, na vida eterna, a esperança da existência terrena, viver e viver em Cristo.
É necessário abrir o coração ao Evangelho para o aceitar integralmente, tal como Jesus o anunciou.

Abraço fraterno.
Fr. Cardoso

Anónimo disse...

FREI!
Ontem estive aqui para tentar aliviar as minhas dores físicas, e rezar, já que fiz um tratamento ao pé muito doloroso (um quisto), e só hoje já um pouco melhor, reli este texto com atenção, que agradeço ter partilhado connosco.

Os Deficientes doentes e idosos. Se alguma coisa bem conheço é a Pessoa com Deficiência, na vertente da Paralisia Cerebral. È esse o meu local de trabalho. E prefiro chamar-lhes "iguais" mas "diferentes". Crianças e jovens sem mobilidade, com mobilidade reduzida, com fala, sem fala, etc. etc. Crianças e jovens onde aquela casa é a sua casa. Na sua maioria, as famílias desintegraram-se porque não aceitaram o seu filho/a deficiente. Somos nós a sua família.
Desde os médicos, enfermeiros, técnicos saúde, fisioterapeutas, psicólogos... até aos motoristas que os transportam, há uma ligação de afecto e amor onde tudo se faz em função deles, para que possam ter acesso a tudo, como qualquer outro jovem dito "normal".
Têm acesso ás novas tecnologias, aliás, é assim que têm acesso aos programas próprios do ensino básico especial. Têm programas de cultura, lazer e desporto de alta competição.
É um trabalho muito gratificante, porque em cada olhar e em cada gesto seus(alguns não falam), nós lemos felicidade e alegria. Eu testemunho aqui, públicamente, que nunca assisti a nenhum acto de falta de afecto. Eu amo cada um, e só pelo movimento do mexer olhar e pelo gesto descoordenado eu percebo o que querem...!
Foi a eles que DEUS me conduziu, e penso que muitos jovens por ali deveriam passar para verem como se pode ser feliz, "mesmo na diferença".
É pena, que depois, a nossa Sociedade não esteja preparada para os receber e integrar, nem faça face ás barreiras arquitectónicas com que eles se deparam na zonas públicas.
Muito mais teria para dizer....
OBRIGADA FREI, pelo seu testemunho sobre a Irmã Morte, e do Fr. Cardoso.

Mª Teresa disse...

FA,
Paz e Bem!
Mais uma vez recordo: URGÊNCIA na compreensão de Irmã Morte! Três anos volvidos, apraz-me fazer esta leitura! Ai, Francisco, Santo bendito que soubeste "aconchegar" de forma tão gentil a Morte. Eu acredito que todos nos vamos encontrar Lá em Cima... No fundo é só "até já" - perdoem-me publicidade a operadora de telecomunicações móveis...

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